Tudo começou com uma pequena dor de cabeça, que se agravou por três semanas até ficar insuportável.
Até o dia em que a universitária Juliana Bardella, de 22 anos, acordou e não conseguia mexer uma perna. Nem uma mão. Não conseguia fazer uma ligação nem ir ao banheiro.
“Fiquei muito assustada, porque não sabia o que era nem o que estava acontecendo comigo”, conta Juliana à BBC Brasil.
Os pais viajaram 230 km para buscar a filha em Botucatu, interior de São Paulo, e levá-la ao hospital na capital paulista.
Uma ressonância revelou o diagnóstico: trombose venosa cerebral, uma doença que pode deixar sequelas graves em cerca de 15% dos casos e levar à morte 6% a 15% dos pacientes.
Juliana não fuma, tinha os exames de sangue normais e não registrava histórico familiar da doença. Os médicos concluíram que a causa provável era o anticoncepcional, que ela tomava havia cinco anos. “Foi um choque”, diz ela.
A estudante de veterinária passou 15 dias internada, três deles na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Seu relato sobre o episódio no Facebook alcançou quase 32 mil compartilhamentos e mais de 100 mil comentários em menos de um dia.
Ela diz que se tornou um “ímã” sobre o tema, recebendo como resposta inúmeros relatos de casos semelhantes. “Fiquei até assustada. Nem consigo responder tudo.”
Hoje, um mês e meio após a internação, Juliana ainda tem pequenas alterações na visão, terá que tomar anticoagulantes por um tempo e abandonar os anticoncepcionais orais.
Procurada pela reportagem, a Bayer, fabricante do anticoncepcional Yaz, usado pela universitária, afirmou que “a pílula anticoncepcional é o método contraceptivo mais utilizado no mundo”, e que o risco de trombose venosa associada ao uso é “pequeno”.
Segundo a multinacional, a Comissão Europeia avaliou contraceptivos hormonais combinados em 2014 e concluiu que “não existem novas evidências científicas que mudariam a avaliação positiva de benefício-risco” desses medicamentos.
A trombose é uma espécie de engarrafamento no sistema circulatório, causado por coágulos que podem se desprender e parar em órgãos como pulmões e cérebro.Hormônios presentes nos anticoncepcionais orais podem alterar a circulação de diferentes formas, aumentando a viscosidade do sangue, a dilatação dos vasos e, por consequência, a coagulação.
No ano passado, estudo publicado na revista especializada BMJ Today apontou que mulheres que tomam pílulas anticoncepcionais da chamada terceira geração, mais recentes (com drospirenona, desogestrel, gestodeno e ciproterona), têm risco de trombose venosa quatro vezes maior do que mulheres que não tomam pílula.
Em relação às pílulas da chamada segunda geração (com levonorgestrel, noretisterona ou norgestimata), o risco das pilulas mais modernas é quase duplicado (1,5 a 1,8 vez superior).
Cerca de 9% das mulheres em idade reprodutiva no mundo usam contraceptivos orais, segundo esse estudo – índice que chega a 18% em países desenvolvidos.
Embora a trombose seja comprovada como efeito colateral, médicos destacam que o índice absoluto de casos é baixo e que esses medicamentos são seguros.
Para a ginecologista Mirian Haddad, que trabalhou com planejamento familiar na rede pública por 20 anos, hoje os médicos estão mais atentos à necessidade de pedir exames genéticos que podem indicar predisposição para trombose.
Ela reconhece que a trombose “é mais frequente do que se imagina”, porém afirma que os ginecologistas vêm alertando mais as pacientes para os riscos. “Cigarro e estrógeno, por exemplo, não combinam.”
A farmacêutica Bayer afirma que “os benefícios dos contraceptivos hormonais combinados na prevenção da gravidez não planejada continuam a superar os riscos e a possibilidade de tromboembolismo venoso (TEV), associada ao uso de contraceptivos hormonais combinados é pequena”, informou.